Introdução
O Comunica que Muda (CQM) mergulha pela segunda vez nas redes sociais
Uma menina de 4 anos sofrendo ataques racistas em um vídeo na internet. É inacreditável que isso ocorra em pleno século XXI, mas foi exatamente o que aconteceu com Titi, a inocente menina que nem tem noção da violência da qual foi vítima, restando aos pais e à sociedade reagirem por ela.
E, por mais absurdo que seja o caso, a brasileira Day McCarthy, agressora da vez, não é a única pessoa intolerante da internet.
A enorme repercussão do caso, ocorrido em novembro de 2017, se deu muito por conta de Titi ser filha dos atores Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso, o que fez toda a diferença para a viralização. Esse foi mais um caso de discurso de ódio nas redes sociais, entre tantos outros que têm ocorrido com cada vez mais frequência.
Isso porque, se por um lado a internet é uma ferramenta para aproximar as pessoas, diminuir as distâncias e tornar todo tipo de informação mais acessível para todos, por outro ela acabou se transformando em um ambiente de ódio e intolerância.
Só para se ter uma ideia, nos últimos 11 anos, a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos recebeu 3.861.707 denúncias de conteúdo de ódio na internet, envolvendo 668.288 páginas diferentes, em nove idiomas. Já a ONG SaferNet, que trabalha para combater o discurso de ódio nas redes, recebeu, no mesmo período, 3.060.502 denúncias sobre conteúdos que envolviam racismo, homofobia, intolerância religiosa, xenofobia, neonazismo, incitação à violência, entre outros. E isso é apenas aquilo que foi denunciado, o que não chega nem perto do total de casos de intolerância na rede.
O mapa interativo no portal da Safernet revela números sobre os crimes de ódio na Internet. Clique na imagem para acessar os indicadores.
Ao que parece, as redes provocam uma sensação de segurança para dizer o que não se deve, defender o indefensável, vomitar o que de pior existe dentro de si, sem grandes consequências para o ato. Aliás, em muitos casos, os intolerantes até se sentem recompensados, ao encontrar nas redes pessoas que concordam e reverberam esse tipo de discurso. É o efeito negativo do curtir e do compartilhar.
A proteção de se estar atrás de uma tela de computador, e não cara a cara, além de um pretenso anonimato, acaba por incentivar os discursos de ódio nas redes.
Para o psicanalista Contardo Calligaris, “nas redes sociais, é possível expressar o seu ódio, dar a ele uma dimensão pública, receber aplausos pelos seus amigos e seguidores e se sentir de alguma coisa validado. Ou seja, as redes sociais produzem uma espécie de validação do seu ódio que era muito mais difícil antes de elas existirem e se tornarem tão importantes na vida das pessoas.”
Para trazer mais dados a esse debate, o Comunica que Muda (CQM) mergulhou mais uma vez nas redes sociais, lançando o seu Segundo Dossiê das Intolerâncias nas Redes. A primeira edição teve o monitoramento em 2016 e agora acompanhamos os comentários nos meses de julho a setembro de 2017, e os classificamos a partir de dez tipos diferentes de intolerância: aparência, classe social, deficiência, homofobia, misoginia, política, idade/geração, racismo, religião e xenofobia.
220 mil menções capturadas
Nesta segunda edição, foram capturadas quase 220 mil menções, contra as mais de 500 mil registradas em 2016. A maior diferença ficou por conta da intolerância política, que registrou uma queda brusca de quase 250 mil menções captadas, passando de mais de 273 mil, em 2016, para cerca de 26 mil, em 2017. O impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016 provavelmente levou a esse destaque, tendo ano passado havido um certo cansaço para o debate político em boa parte das pessoas, mas que deve ressurgir em 2018, ano eleitoral.
A queda nas menções intolerantes pode ser vista como um bom indicador, mas o melhor nesse novo levantamento foi identificar o aumento dos comentários positivos em vários dos temas, se comparados com o ano de 2016. Ou seja, os haters vêm perdendo espaço, porque muitos internautas passaram a também opinar em assuntos polêmicos, equilibrando os números.
Peguemos a homofobia como exemplo de tema com aumento de participação positiva no debate. Em 2017, analisamos 29 mil menções, sendo 38% positivas ante 60% negativas. Um aumento de 30% das participações positivas se compararmos com o ano anterior. Ainda não é o cenário ideal, mas já é um grande avanço na compreensão do assunto, provocado principalmente pelo debate aberto (novela, música, mundo artístico).
Quando observamos o tema homofobia por gênero, percebemos que as mulheres têm papel determinante na elevação do percentual positivo: elas representaram 63,8% contra 36,2% dos homens, nas menções que combatem esse tipo de preconceito.
Outros destaques onde houve a diminuição de participação negativa (com o aumento da positiva) foram nos temas classe social, passando de 94,8% para 61,2%, e xenofobia, de 84,8% para 50,3%.
Considerando o número total de menções captadas, a intolerância com maior quantidade de comentários foi a com relação à deficiência, com 45.873 menções, sendo 90,1% delas negativas. Vale destacar que mais de 99% dessas postagens negativas não foram ofensas diretas a pessoas com deficiência, mas, sim, utilizando termos relacionados, como “demente”, “retardado” ou “down”, para xingar os outros, sem perceber o tanto que isso pode ser ofensivo.
Outros tipos de intolerância com porcentagens altas de postagens negativas foram sobre idade/geração (98,4%) e religião (91,2%). Somando todo o monitoramento, 77% das menções foram consideradas negativas, contra 14,4% das positivas.
Assim, trata-se de um documento que oferece um ótimo panorama de como ocorre o discurso de ódio na internet brasileira, uma ferramenta fundamental para entender como se dá a intolerância nas redes sociais.
Sobre o Comunica Que Muda
O Comunica Que Muda (CQM), uma iniciativa digital da agência nova/sb, tem o objetivo de mostrar o poder da comunicação de interesse público como agente transformador na sociedade.
Ao combinar uma estratégia de constante monitoramento dos assuntos mais debatidos nas redes, aliada à ágil criação de conteúdo específico, o CQM busca, por meio da alta relevância e incessante interação com seu público, seu objetivo maior: promover e qualificar o debate sobre temas fundamentais, mas que ainda carecem de espaço na sociedade brasileira. Além da questão da intolerância, aqui analisada e objeto do nosso primeiro dossiê, mobilidade urbana, lixo, suicídio e descriminalização da maconha também foram temas monitorados. Intolerância, mobilidade urbana, lixo e suicídio tiveram dossiês produzidos em 2016 e 2017.