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Capítulo 3

Efeito Werther e o tabu sobre suicídio

Fingir que o problema não existe não resolve

Ainda nos dias de hoje, existe uma crença, muito difundida em nossa sociedade, de que o suicídio seria, de certa maneira, “contagioso”. Por essa lógica, falar ou dar audiência para o tema teria uma influência negativa, incentivando o suicídio entre pessoas com tendência à depressão.

A essa ideia deu-se o nome de Efeito Werther, uma referência ao romance de Johann Wolfgang von Goethe, chamado de Os Sofrimentos do Jovem Werther. Lançado em 1774, a obra narra as desilusões amorosas do personagem, que o levam ao suicídio. Após a publicação do livro, teria ocorrido uma onda de suicídios na Europa, que foi atribuída à influência da obra sobre os leitores.

Até é possível estabelecer uma relação entre obras de ficção, ou mesmo suicídios de famosos, com influência sobre ondas de suicídio. Uma forma de “gatilho” para aqueles que talvez ainda não estivessem pensando nessa possibilidade ou já tivessem pensado, mas não tiveram coragem, e ao ter contato com o fato passam a considerá-lo. Um exemplo disso é o da atriz Marilyn Monroe, que teria desencadeado um aumento de 12% na taxa de suicídios no mês seguinte ao da sua morte.

Assim, por acreditar que expor o tema pode incentivar suicídios, e também por preocupações religiosas, o assunto tornou-se um grande tabu em nossa sociedade. A mídia evita noticiar casos de suicídio, e, quando o fazia, apenas cita a informação, sem um aprofundamento maior.

Sem estudar caso a caso, é muito difícil estabelecer uma relação entre obras, como o romance de Goethe, ou casos famosos, como o de Kurt Cobain, e sua influência direta sobre as taxas de suicídios. Além disso, o sociólogo Émile Durkheim, que baseou boa parte de seus estudos sobre a questão, considerando-a uma patologia social, não acreditava que a sugestão era relevante. Para ele, esses suicídios já estariam fadados a ocorrer, e qualquer influência externa poderia apenas acelerá-los. Ou seja, por essa análise, essa pessoa influenciada por uma obra ou notícia já seria alguém que tem potencial para um comportamento suicida, e deixar de falar sobre o assunto não resolveria o problema.

Para corroborar com essa visão, a OMS considera que 90% dos suicídios poderiam ser evitados. Para isso, bastaria que a pessoa recebesse a ajuda adequada. Porém, como essa pessoa vai receber ajuda se o tema é um tabu, e ninguém fala sobre isso? Ela saberá que existe uma saída? Que o suicídio não é a única opção? Que ela não precisa se sentir estigmatizada ou envergonhada por pensar sobre? As pessoas que convivem com ela saberão identificar os sinais e como oferecer apoio?

Também existe o componente religioso, que contribui para reforçar o tabu, principalmente no Ocidente, que tem uma cultura cristã muito forte em sua formação. Por essa visão, a vida é um dom divino, dado por Deus, e que só por Ele pode ser retirado. Ninguém tem autonomia para tirar a própria vida, já que é um presente divino. Com isso, o suicídio entra na gama de pecados, o que não contribui para desmistificação da questão, com um debate aberto e que não estigmatiza as pessoas que pensem nisso, ou que chegam a tentar.

O suicídio tem sido um tabu por um longo tempo, e ainda assim as taxas continuam crescendo. Ou seja, não falar sobre isso não está ajudando. Além disso, são diversos os exemplos de que, para resolver um problema, deve-se informar as pessoas sobre ele. Com responsabilidade, obviamente. Qual a melhor maneira de se evitar a disseminação do HIV? Escondendo a sua existência e tentando evitar que os jovens façam sexo? Ou informando todos sobre o vírus, suas causas e consequências, e que para evitá-lo deve-se usar camisinha?

Além disso, também é preciso desmistificar a questão da depressão e outros distúrbios, como a ansiedade. É comum a ideia de que isso não passa de frescura, que a pessoa só quer atenção ou, então, que basta uma decisão pessoal para a melhora. Sem falar no estigma de quem faz terapia, ou passa por tratamento psiquiátrico. Esse tipo de julgamento só piora a situação, já que faz a pessoa sentir vergonha, e a afasta da ajuda necessária.

Não tratar um problema não faz com que ele desapareça, ao contrário, apenas permite que ele cresça no escuro. Por isso, precisamos derrubar esse tabu, e falar sim sobre o suicídio.

Mitos sobre o suicídio

Como acontece com praticamente todos os nossos tabus, existe uma série de mitos com relação ao suicídio. Crenças totalmente equivocadas que fazem de tudo, menos informar, tendo como resultado mais preconceito e práticas inadequadas, que no fim influenciam negativamente no problema.

Seguem alguns dos mitos mais difundidos sobre o suicídio:

  • “Quem fala não faz, só quer chamar atenção”: Em geral, pessoas com comportamento suicida informam suas intenções antes de iniciar as tentativas. Qualquer ameaça deve ser sempre encarada com seriedade, pois normalmente é um pedido de ajuda.
  • “Quem tem comportamento suicida nunca avisa”: Apesar de existirem alguns casos mais impulsivos, geralmente a pessoa dá diversos sinais antes de se suicidar. Interpretando isso corretamente, pode-se oferecer ajuda e evitar o suicídio.
  • “Quem tem comportamento suicida quer mesmo morrer, e não há como evitar”: Na verdade, é comum que as pessoas que pensam em suicídio queiram ser ajudadas, mas elas apenas não encontram outra saída. Como já dito, 90% dos suicídios poderiam ser evitados.
  • “Todas as pessoas que tentam ou cometem suicídio têm alguma doença, como depressão”: Embora a maioria das pessoas com comportamento suicida apresente sintomas de depressão ou outros distúrbios, isso não ocorre com todas. São vários os fatores que podem desencadear um suicídio.
  • Não se deve falar sobre isso com alguém quem tem pensamentos suicidas”: Esse pensamento de que falar de suicídio com a pessoa incentiva ela ao ato é bastante comum, e também está equivocado. É importante ter uma conversa franca com a pessoa. Não falar sobre só piora a situação.
  • Quem tenta uma vez tenta sempre“: Com ajuda e tratamento adequados, pode-se fazer a pessoa superar. Existem vários casos de pessoas que tentaram, sobreviveram e se recuperaram.
  • “Quem tenta uma vez, nunca mais tentará”: Pessoas que já tentaram uma vez têm uma chance maior de cometer suicídio. Por isso é importante que se procure ajuda, para evitar novas tentativas.